DEZEMBRO VERMELHO

Copa da Floresta valoriza futebol, riquezas culturais e Meio Ambiente da Amazônia

Competição em 2024 foi marcante, espalhou alegria por diversos municípios locais e mostrou o amor dos povos amazonenses pelo esporte

Por Maracaju Notícias em 30/11/2024 às 09:30:00
Foto: Roberto Porto / FAF

Foto: Roberto Porto / FAF

Arquibancada cheia, muitos com as mãos em prece, outros com o celular para fazer selfies. Havia gente esticada em redes no alto de árvores, torcedores pendurados nos galhos, em cima de muros, ou em pé na laje de casas vizinhas. Crianças e idosos por toda parte, sentados ou não, alguns agarrados ao alambrado e ansiosos à espera do que os aguerridos jogadores de Silves e Fonte Boa promoveriam na disputa do título da Copa da Floresta.

Essa foi a atmosfera da decisão de uma das maiores competições não profissionais de futebol da América do Sul, que conta com a chancela da CBF.

Jogadores do Silves festejam o títuloCréditos: Divulgação / FAF

A saga do time campeão

A decisão da Copa da Floresta se deu em jogo único, em 23 de novembro, em Fonte Boa, município a mais de 600 quilômetros de Manaus, na região do Alto Solimões, com 17 mil habitantes e conhecido como a cidade do pirarucu. Após empate por 2 a 2 no tempo normal, Silves sagrou-se campeão nas cobranças de pênaltis (5 a 4). A comemoração dos visitantes traduz a festa do futebol proporcionada na Amazônia.

A dimensão da Copa da Floresta não tem uma referência mais precisa. Para se ter uma ideia de sua grandiosidade e das operações logísticas, vale um comparativo.

Os campeões viajaram cerca de 700 quilômetros pela Amazônia para ir da cidade de Silves até Fonte Boa, local da decisão. Utilizaram transporte terrestre e fluvial – só a bordo de uma embarcação foram 22 horas.

Esse percurso da equipe de Silves pela floresta equivale a um giro por vários países da Europa. Era como se o grupo saísse de Trieste, no norte da Itália, atravessasse a Eslovênia, cruzasse a Croácia, percorresse todo o oeste da Hungria até chegar a Viena, na Áustria, e de lá seguisse para Mikulov, na República Tcheca. Ainda assim, essa viagem pela Europa seria um pouco mais curta, em torno de 680 quilômetros.

Festa da torcida durante a decisão do título da Copa da Floresta - Créditos: Laiza Balieiro / CBF

Quase dois mil atletas

A competição começou em 5 de junho, Dia do Meio Ambiente, uniu 45 ligas e quase dois mil atletas. As equipes percorreram mais de 10 mil quilômetros ao longo da disputa, espalhada em sedes do norte ao sul, leste a oeste do Estado.

O sucesso de público pode ser atestado pela ampla cobertura da imprensa amazonense. Logo na abertura da Copa da Floresta, para o jogo entre Maués e Boa Vista, em Maués, a presença da torcida foi marcante: 9.983 pessoas prestigiaram a partida.

Além dos jogos, a competição foi marcada pelo impacto cultural, econômico e social por todos os municípios pelos quais passou. Lugares distantes e muitos deles jamais haviam recebido um evento com a estrutura da Copa da Floresta.


Crianças são apresentadas ao futebol pela Copa da Floresta - Créditos: Roberto Porto / FAF

CBF pela inclusão e integração dos povos

A CBF tem um apreço especial pela Copa da Floresta, e não só reconhece a relevância da competição para toda a Amazônia, como dá suporte para a realização do evento. Isso segue um compromisso assumido pelo presidente Ednaldo Rodrigues diante do papa Francisco, num encontro realizado em setembro de 2022 no Vaticano. Na oportunidade, o presidente da CBF falou com Sua Santidade sobre a importância de trazer para o esporte aqueles que são tratados como excluídos e ressaltou que um dos grandes objetivos da Copa da Floresta era proporcionar a união dos povos originários.

"A Copa da Floresta junta a emoção do futebol com a valorização de um povo que é tratado secularmente como invisível. Faz a integração de culturas, de diferenças. É uma celebração dos povos tradicionais. Um exemplo do Brasil para o mundo, com a força que o futebol pode oferecer quando gerido de forma séria, responsável e inclusiva. A CBF tem um grande orgulho de ver o sucesso da competição, que conta também com a importante colaboração da Federação Amazonense de Futebol, com o empenho e dedicação de seu presidente, Ednailson Rozenha", disse o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.

Árbitro da Fifa desfila em carro aberto

A edição deste ano realçou o papel da Federação Amazonense em dar mais vigor ao futebol do Estado, especialmente em áreas remotas. O esforço para levar a competição a municípios distantes, muitas vezes com difícil acesso, foi recompensado pela recepção calorosa dos torcedores e pelo sucesso do evento, como ocorreu na final em que o árbitro, Anderson Daronco, do quadro da Fifa, juntamente com o presidente da federação, Ednailson Rozenha, foram recebidos com carreata em Fonte Boa.

"Vivi um capítulo à parte na minha vida pessoal e profissional. Já estava maravilhado com a possibilidade de apitar um jogo literalmente no meio da floresta. Fomos (ele e Ednailson Rozenha) de avião de Manaus para Fonte Boa e quando pousamos havia uma centena de pessoas nos esperando. Teve comitê de recepção, com o prefeito e autoridades locais e depois o povo invadiu a pista me pedindo fotos, autógrafos, queriam me abraçar. Nunca vivi isso. Fiquei muito emocionado", contou Daronco.

Mas ele ainda não fazia ideia do que viria pela frente. Quando atendeu a todos, Daronco foi chamado por Rozenha para subir numa pick-up e participar de uma carreata pela cidade.

Anderson Daronco foi o árbitro na final da Copa da Floresta - Créditos: Divulgação/FAF

"Era muita gente nas ruas, em motos, em bicicletas, muitos carros atrás do nosso. Gritavam meu nome e eu confesso que fiquei até constrangido. Não sabia ao certo o que fazer numa situação daquelas. Pensei: "Meu Deus, o que é isso?" Não estamos acostumados a receber tanto carinho. Na hora do jogo, com mais ou menos 6 mil pessoas no estádio, as homenagens continuaram. A partida em si (entre Fonte Boa e Silves, a decisão do título da Copa da Floresta) foi tranquila. Mas, quando dei o apito final, houve uma invasão generalizada e a multidão correu atrás de mim. Era o inverso de tudo, queriam selfies, autógrafos. Em outras circunstâncias, uma invasão de campo direcionada ao árbitro teria significado completamente diferente. Tive de deixar o gramado escoltado, mas numa felicidade sem tamanho. A coisa fugiu do controle."

Daronco foi o árbitro principal da decisão. Trabalhou com as assistentes Adriana Costa Farias (CBF) e Anne Kesy Gomes de Sá (FIFA) e a quarta árbitra, Elaina Larisse Frutuoso. Uma experiência que jamais esquecerá.

"Quero poder contar para meus filhos e netos o que foi que eu vivi nessa Copa da Floresta, uma competição que eleva a autoestima dos povos da Amazônia e faz muita gente dali feliz. Teve um torcedor que viajou três dias de barco para ver a final. Sinceramente, é até difícil descrever tudo que se passou naquele dia. Parabéns à CBF e à Federação Amazonense pelo gol de placa que é a Copa da Floresta", completou Daronco.

Pequeno torcedor tem visão privilegiada em jogo da Copa da Floresta - Créditos: Laiza Balieiro / FAF

Guardião da floresta

Tudo em torno da Copa da Floresta foi estudado minuciosamente. O troféu entregue ao vencedor, por exemplo, tinha um simbolismo especial: mãos segurando a copa de uma árvore, que ao erguê-la o campeão assumia o papel de guardião da floresta. A escolha reforçou a mensagem ambiental da competição, com a sustentabilidade como tema central em todas as sedes.

"A Copa da Floresta é sobre pertencimento, identidade e resistência. Em cada quilômetro percorrido, em cada gol marcado e em cada abraço no campo, na arquibancada, reafirmamos que o Amazonas é feito de uma gente forte, apaixonada e que honra suas raízes. Quero agradecer especialmente ao presidente Ednaldo Rodrigues pelo apoio e pela confiança no potencial do futebol dos povos tradicionais. Essa parceria da FAF com a CBF foi essencial para que esta edição se tornasse um marco na história do esporte no nosso Estado,", afirmou o presidente da Federação Amazonense de Futebol, Ednailson Rozenha.

Flagrante do público na partida que definiu o campeão - Créditos: Roberto Porto / FAF

Show pirotécnico

Na final, além da emoção dentro de campo, o espetáculo fora dele também mereceu registro. Um show pirotécnico iluminou o céu de Fonte Boa, encantando milhares de pessoas, que mesmo com a derrota da sua equipe, vibraram com a festa. A estrutura da decisão foi digna de grandes campeonatos, com gramado impecável, placas, totens, infláveis, mais de 40 profissionais da imprensa esportiva e uma organização logística que garantiu conforto e segurança para todos.

A visibilidade do evento foi ampliada com a transmissão em TV aberta para mais de 52 municípios do Amazonas, além de transmissões em canal fechado e para o mundo todo por meio do YouTube, que alcançou mais de 30 mil visualizações e mais um marco histórico, o pioneirismo de Suelen Gonzaga.

Torcida viu jogos da Copa da Floresta de todos os ângulos possíveis - Créditos: Divulgação / FAF

Primeira narradora

Suelen se tornou a primeira mulher a narrar futebol em TV aberta no Estado do Amazonas. Essa ampla cobertura levou o brilho da Copa da Floresta para além das fronteiras estaduais, mostrando a força e a paixão do futebol amazonense.

Após a transmissão pela TV Encontro das Águas, que quebrou uma barreira histórica, Suelen se emocionou ao falar de sua conquista, do passo dado pelas mulheres da Amazônia.

"Foi uma experiência indescritível. Saímos de Manaus e encaramos 25 horas de lancha até Fonte Boa. O cansaço aumentou a responsabilidade de narrar a grandiosa final que foi importante não só para mim, mas para todas as mulheres que amam o esporte. O momento em que percebi que fizemos história juntas foi muito especial. Agradeço a todos que me apoiaram e espero que essa seja a primeira de muitas narrações femininas no nosso Estado, espero que eu tenha rodado a chave e escancarado a porta que insistem em fechar. Nosso lugar é onde quisermos e somos a prova disso, agora podemos dizer que aqui no Amazonas temos uma narradora esportiva", declarou.

Suelen, a primeira mulher a narrar um jogo oficial de futebol no Amazonas - Créditos: Arquivo pessoal

Volta por cima

Na decisão, em Fonte Boa, o título foi decidido nas cobranças de pênaltis. Depois do 2 a 2 no tempo normal entre Fonte Boa e Silves, coube a Melck Perdigão, do Silves, chutar a última bola. Teve competência e sorte e depois não segurou o choro. O atleta tinha motivos de sobra para festejar e se emocionar. Em 2020, foi diagnosticado primeiro com Covid e, depois, com um câncer no estômago.

Melck Perdigão, entre dois colegas de time: história de persistência - Créditos: Arquivo pessoal

Em menos de três meses, fez uma cirurgia, retirou o estômago e passou a viver como padeiro e professor para crianças no ensino fundamental. Mesmo diante das adversidades, manteve o sonho de voltar a jogar futebol. Conseguiu isso somente em 2024 e foi brindado com a campanha e o título do Silves.

"Só Deus sabe o que passei. Eu tinha esse sonho. Fui abençoado com esse título."

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